quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Quinta-feira 15 de Janeiro de 2009






Hoje estou "fardada".

Gostam? mais importante, confiam?

Têm de confiar.
Que ficarei ao vosso lado durante o divórcio.
Lutarei pela custódia dos vossos filhos.
Não cederei um milímetro na partilha dos vossos bens.
Não vos deixarei ir presas. (É ponto de honra).
Levarei tudo onde for preciso.
À Relação. Ao Supremo. Ao Tribunal Europeu. Ao Tribunal Internacional dos Direitos Humanos.

De preferência, impecavelmente vestida e de saltos altos!

A Audiência de hoje era fora da cidade.
Num sítio onde já tinha ido a passeio, mas nunca em trabalho.
Não sabia onde era o Tribunal, por isso fui cedo.
Almocei lá.
Depois fui à procura.
Era num antigo quartel da GNR.
Muito "pitoresco".

Estava marcado para a 1h 30m. Quando fui recebida pela Juiz no seu gabinete, não na Sala de Audiências, (Tenho de vos contar: a Juiz era uma menina muito bonita, de longos cabelos castanhos. No gabinete havia uma mesa de reuniões redonda, com cadeira azuis claras e velas em castiçais, com a forma de uma flor. Encantador! Inapropriado, mas encantador!) eram 3h 45m.
Só para verem como se espera....

Esperando e conversando, fui vendo.

Apareceu um rapazinho, não mais de dezoito, dezanove anos.
Não gosto quando estão presos e vêm a Julgamento.
Habitualmente não passam pelo meio do público, entram por portas laterais e ficam na Sala de Audiências até que comece a "lide".
Como aquele Tribunal era pitoresco entrou por um portão lateral, mas passou por nós.
Quando estão presos vêm nas carrinhas celulares acompanhados pelos guardas prisionais.
E trazem algemas.
Estas só são retiradas, por um dos guardas, já dentro da Sala.

O nosso Código diz expressamente: "na Sala de Audiências o preso, ou detido, deve estar livre na sua pessoa".
Têm de saborear bem.
Digam em voz alta: o preso ou detido deve estar livre na sua pessoa.
Só isto resume a nossa herança humanista. E faz o meu orgulho neste país.
As pessoas não são coisas.

Podem dizer-me:
"Se está preso alguma fez".
E deve ter feito.

Mas não é esse o ponto.

A dignidade de ser HOMEM (pertencente ao género humano) não lhe pode ser retirada.
Porque quando se apresenta a Julgamento, por outros Homens iguais a si, não é menor que eles.

Não gosto quando vejo que trazem algemas.

Vêm todos de cabeça baixa.
Procuram esconder as mãos.
"Cheiram" a prisão.

Não os ciganos, já vos digo!
Os ciganos e as ciganas que já vi de algemas nos pulsos, NÃO!
Talvez porque costuma estar toda a família ali para os ver.
Talvez porque não queiram dar "parte fraca".
Só sei que não.
Isto é da minha estatística privada. Pode haver outras estatísticas.

Da minha estatística privada, também faz parte a certeza de que os homens cometem mais crimes que as mulheres.
O único crime onde existe uma "equivalência" entre os géneros é o tráfico de droga.
Crimes violentos: mais homens.

Mas atenção, que as mulheres quando matam, queridas amigas, MATAM!!!!
Não é para brincar.
Nem é um impulso de momento.
Por isso é que é mais arrepiante.

Mas não era nada disto que vos queria contar.

O rapazinho lá passou. De algemas nos pulsos e ar cabisbaixo.
Estava lá a mãe. Só ela.
Era uma mulher sem idade. Gasta. Cabelo louro pintado. Maiores as raízes que as pontas.
Agarrado num "rabo de cavalo".
Cachecol de flores, tricotado.
Calças e casaco pretos.

Entrou para a Sala só depois dos guardas terem levado o filho.
Não lhe tocou.
Tudo isto tem regras. E são cumpridas.
Quando saíram, pediu para dar um beijo ao filho.
São regras.
Não nos podemos aproximar de um preso sem pedir autorização.
Mesmo nós Advogados, até por uma questão de cortesia, perguntamos sempre se podemos.
O filho ia de novo para a prisão. Dentro da carrinha celular. Conduzido pelos guardas.

Sabem o que fez?

Levantou a mão e disse:
"Deus vos abençoe".

Acreditem.

"Deus vos abençoe".

O que se faz quando um filho é preso?
Ou quando se droga?
Quando bebe?
Quando faz todas as escolhas que consideramos erradas.
Que lhe fazem mal.
Que, por vezes, até o matam.

Não o renegamos.
Estamos lá por ele.
Damos um beijo, mesmo se tivermos de pedir.

E no fim.

No fim abençoamos os guardas.


Hoje vesti:

Vestido e casaquinha LANIDOR;

Camisola gola alta branca NAF-NAF;

Sapatos sem marca;

Mala LOUIS VUITTON

4 comentários:

Colérica disse...

Olá!
Cheguei ao teu blog (assim como grande parte de tuas novas "amigas" brasileiras) através do blog da Cris Guerra, que acompanho sempre.
Desde o início gostei, mas tua postagem de hoje foi sublime!
Tão lindas quanto tuas vestes são tuas percepções sobre o mundo e, principalmente, sobre o que está a tua volta.
Já sou tua fã (especialmente porque moro no extremo Sul do Brasil, uma parte do país que poucos conhecem no exterior e onde faz muito frio, inclusive até neva às vezes no inverno); "te visito" todos os dias, ansiosa pelo visual que escolheste e pelas palavras bem humoradas ou tocantes, como as de hoje.
Parabéns e um grande beijo
Rafaela

Unknown disse...

Há dias em que não deve ser assim tão simples "retratar" uma atitude!!

Um beijo bom e, uma vez mais, estava linda!

Bom fim-de-semana!

Graça disse...

O que´considero mesmo lindo são as suas crónicas. Quanto à roupas....nem por isso ,mas o problema é meu :). Agora tem talento para dizer a realidade,adoro lê-la..e já se tornou um vício saber não o que veste mas sim como pensá sobre este, aquele assunto por mais corriqueiro que seja .E amañhã falará de quê?.

Thales e Graziela disse...

Querida,

linda a farda e tocantes as palavras. Se um dia precisar de uma advogada além mar já estás contratada.
Queria pedir sua opinião sobre um caso muito triste que está acontecendo aqui no Brasil e saber como a justiça em Portugal e na Europa lidam com isso. É o casado abuso sexual por parte de um médico muito famoso especializado em fertilização. Mulheres que iam em busca de um filho dizem que foram molestadas, atacadas e até estupradas enquanto estavam sedadas ou durante as consultas. Já são mais de trinta as denunciantes e prevemos uma dura batalha na justiça para provar um crime que, em geral, não tem testemunhas e envolveconstrangimento, vergonha, medo.
Podes ler sobre o caso do médico Roger Aabdelmassih no site da revista www.epoca.com.br ou dando um busca no google.
É só um pedido, sua opinião de profissional competente e mulher sensível é valiosa.

beijos, Graziela

ps. podes deixar recado no blog que já visitaste