quinta-feira, 8 de abril de 2010

Quinta-feira 8 de Abril de 2010

Vim aqui porque tenho o coração pesado.

A criança que morreu.
Morta pelo pai.
Vivia aqui mesmo.
Nas costas do meu escritório.

Nas costas da minha vida.

Somos uma cidade pequena.
Já disse isto milhares de vezes.

Todos nos conhecemos.

Como é que ISTO pode acontecer?

Como é que não vimos?

Viviam aqui há poucos meses.
Pareciam boa gente.

Um rapaz negro.
Uma rapariga branca.
Um bebé mestiço.

Parece que passeavam ao Domingo.
Parece que ele os agredia.
Aos dois.

Parece que já tinha batido outras vezes no menino.
Cinco meses.

Parece que tinham curado as mazelas com "pomadas".
Ela e ele.

Parece.
Parece.
Parece.

O meu Amigo (Comandante dos Bombeiros) estava horrorizado.
Fiquei chocada com o horror dele.

O Quartel dos Bombeiros.
É pertinho.
Pertinho.

Tão pertinho.

Numa cidade pequena.
As pessoas estão mais atentas.

Para o bem e para o mal.

Como é que ninguém viu?
Ouviu?

Parece que a criança chorava durante a noite.
Parece que a mãe tinha medo.
E ajudou a tratar feridas.

Parece que são muito novos.
Parece que estava desempregado.

Parece.
Parece.
Parece.

Quem o assistiu?

Será que foi uma colega "nova"?
Será que estava de "escala"?
Será que o deixou falar?
Será que o mandou calar?
Será que se aguentou sem vomitar?

Será que foi um homem?

Como terá dormido?

Será que foi bem defendido?
Será que lhe bateram na polícia?

Será que tiveram tanta, mas tanta pena, que o deixaram na cela e lhe levaram comida, e disseram que ia correr tudo bem, para ele não ter medo?

Será que viu os pais?

Será que os pais lhe perdoaram por lhes ter morto o neto?

Será que dormem?

E eu?
Porque é que não vi?
Não ouvi?

Porque é que publicaram a foto dele no jornal?

Vai morrer.
Sei que vai morrer.

Ninguém o vai poder proteger.

E não é JUSTIÇA.

É TRISTEZA.

A minha mãe.
Sempre a minha mãe:

"Quando eu tinha doze anos bati na tua tia.
Já lhe pedi tantas vezes desculpa."

E não SE perdoa.

E tu?
Perdoas-te?